top of page
  • Foto do escritorThiago Oliveira

Sobre Perfect Blue

Atualizado: 7 de mar. de 2023



Faz alguns meses desde que publiquei o texto sobre o smt3, hoje saio do hiato para fazer algo diferente, dessa vez vou comentar sobre uma animação de 1hr27m de 1997.


Obs: o texto toca em temas delicados, fica o alerta de gatilho.


Obs.2: os meus textos tende a ter um tom de humor e sarcasmo, mas não aqui, esse texto tem por objeto tratar e apresentar as minhas opiniões sobre a obra de maneira séria e o mais claro possível.


Obs.3: não é necessário ter assistido ao filme, porém é recomendado para uma melhor imersão, a animação está disponível no YouTube, então, após ler o texto (ou mesmo antes) de uma chance para a obra.


Perfect Blue é um filme confuso, não é a melhor definição, mas com certeza é aquele tipo de filme que deixa você perdido. Seguimos a idol japonesa Mima, quando ela deixa seu grupo musical para seguir a carreira de atriz, todo esse contexto de idol já nós apresenta vários problemas, as meninas nesse papel de “fofas e inocentes” sendo observadas e aplaudidas por homens adultos com olhares e câmeras apontadas, elas cantando sobre não querer vestir uma roupa social para trabalhar, vendendo esse estilo de vida casual e pessoal, enquanto são totalmente controladas e exploradas pela indústria.

O filme tem um cuidado muito grande em mostrar a Mima sozinha em seu apartamento, deixando aquele ambiente pessoal, seguro e acolhedor, das cores confortáveis, até vários detalhes e toques de um lugar que parece realmente estar vivo, essa segurança e conforto é a primeira coisa a ser violada. Um site chamado o “quarto da mima” começa a fazer posts fingido ser a mesma, descrevendo com detalhes o que ela faz no dia à dia, quando todos os momentos que acreditávamos ser pessoais e humanos dela são expostos e publicados por um stalker, o que à acompanhamos daqui para frente é um processo sofrível de destruição da personagem, uma destruição que é observado de uma perspectiva muito clara, que não por acaso se confunde várias vezes com a nossa, a pressão que a Mima sofre do fandom, os problemas estruturais que ela enfrenta no novo trabalho de atriz, a nostalgia do sucesso como cantora “pop” e olhar constante e opressivo fazem com que gradualmente ela desenvolva depressão e mais tarde seja incapaz de distinguir o presente da realidade, dos sonhos à paranoia do trabalho, o filme é incrível representando esse processo. O auge desse processo de distorção da realidade se fecha com ela sendo assombrada por ela própria, uma versão perfeita e com roupa de idol, que com o tempo tenta tomar o lugar dela.

Pegando uma concepção de Freud, por exemplo, que claramente é a referência para os vários outros dualismos da obra, esse “outro” ou o “duplo” parte de um elemento que está estabelecido na mente, mas se alienou dela por um pensamento de repressão por parte da pessoa e reaparece na vida adulta em momentos de conflito.


“Something which is familiar and old – established in the mind and which has become alienated from it only thought the process of repression” – Freud


Mas no caso aqui, a outra Mima não é algo que parte de uma repressão dela sobre algum elemento ou de um evento traumático específico, esses questionamentos sobre a identidade dela estão presentes de forma menos direta desde o início da obra, antes dos eventos traumáticos chaves, e depois dela ter aceitado que não vai mais ser uma idol, não se trata de uma vontade reprimida, parece que essa outra versão não representa um protesto freudiano de um lado inconsciente, mas uma coerção que já está presente ali e que tem um efeito de ameaça real, físico e não psicológico. O Baudrillard, foi um sociólogo que popularizou o termo “hiper-realidade”, no Simulacro e Simulação, ele argumenta que em uma sina cultural, saturada de cópias e simulações, ocorre uma mudança onde essas imagens não são mais um reflexo da realidade, em um contexto de capitalismo tardio, a cópia se torna algo mais que uma abstração ela vira algo que não precisa está ancorado na realidade e pode efetivamente competir com ela.


“ Free standing simulation no longer needs anchors in the real world, and copies of reality can compete with reality itself” – Baudrillard


Um exemplo pode ser o consumo de pornografia, mesmo a pornografia não sendo uma discrição precisa do sexo, bem longe disso, para o consumidor a realidade do sexo se torna algo inexistente, a pornografia em um processo de exploração do corpo, trabalha com uma lógica de desempenho, a exposição máxima, retirada de todo véu possível, que, na verdade, é uma negação de todo significado do sexual, mas mesmo assim, no contexto de hiper-realidade, o sexo que gradualmente se transforma em simulação e a pornografia se torna a realidade.


Perfect Blue parece desde do início muito preocupado com a exposição e o tipo de olhar e perspectiva que foca nas meninas, de que forma essa exposição vai criando uma figura bizarramente distorcida, tudo que é pessoal ou individual, tudo que é coberto por um véu e representa a verdadeira Mima, é direta e indiretamente violado, conforme a simulação da Mima, uma materialização da necessidade de desempenho e do fetiche coletivo do olhar masculino toma de fato tudo que é dela, a sensação de absoluta impotência diante dessa ameaça é de verdade muito desconfortante.


No simulacro e simulação, o Baudrillard, concluiu que não existe uma forma de corrigir àquilo, a oposição moderna de realidade e não realidade, não tem como ser restaurada, deixa de ser uma questão de reconhecer uma representação falsa da realidade, mas sim de esconder que o real, não é mais real.


“Once the hyperreal is realized, [...] no corrective action can be taken; the modern opposition of reality and unreality cannot be restored” – Baudrillard


“It is no longer a question of a false representation of reality

(ideology) but of concealing the fact the real is no longer real” - Baudrillard


É horrível ver como a Mima, foi exposta, unicamente para vender revistas e ganhar número de audiência na TV, fiquei muito sentido em ver ela se forçando a normalizar essas situações, quando a mesma admite que não queria estar fazendo isso.


Perfect Blue é o tipo de obra que te marca, o tipo de conteúdo que faz você sair com outra perspectiva da realidade. É quase impossível não sair do filme questionando como a indústria capitalista usa e expõe o corpo feminino para faturar, de maneira que cada vez mais as mulheres são retratas de formas inumanas e irreais, afastando e afetando as relações reais.


Dessa maneira, concluo o texto, agradeço muito quem gastou um momento do seu dia lendo, muito obrigado mesmo.





https://twitter.com/Thiago_oh9

182 visualizações1 comentário

Posts recentes

Ver tudo
Post: Blog2_Post
bottom of page